Pátria Roubada: Um Conto de uma Geração Perdida

Nasci numa pequena vila onde quase nada acontecia — apenas silêncio, velhos choupos alinhando as estradas, o aroma das flores de damasqueiro na primavera, o cheiro fresco da relva acabada de cortar perto do estádio da escola, e pores do sol no parque à beira-rio enquanto a vila lentamente adormecia, o ar suave e doce como uma promessa de algo bom.

Foi aí que a minha infância decorreu. Foi aí que me apaixonei pela primeira vez. Mesmo quando pensava que odiava aquele lugar — pelos seus limites provincianos e previsibilidade — no fundo, já sentia falta dele. Amava-o, dolorosamente.


Sonhando com Mais

Sonhar com a grande cidade não era apenas uma fascinação — era uma fuga. Estudei, trabalhei, estudei novamente e agarrei-me a todas as oportunidades para me libertar. E finalmente, aos trinta anos, com a minha esposa e o nosso filho Ivan, de cinco anos, conseguimos — mudámo-nos para Lviv.

Foi a nossa descolagem, o nosso sonho tornado realidade, a nossa nova vida.

Comprámos o nosso primeiro apartamento. Com cada moeda poupada, transformámos-no no nosso ninho acolhedor. Trabalhámos em dois empregos cada um e fizemos a renovação nós próprios — colocando o nosso coração em cada canto. Lviv tornou-se a nossa casa — não pelo sangue, mas pela alma. Fizemos amigos. O nosso filho começou a frequentar uma escola para os livres e corajosos, um lugar que fomentava a criatividade e a coragem. Os vizinhos trouxeram tortas caseiras para o Natal, fizemos churrascos no pátio, partilhámos cerveja, licor de mel e chouriço caseiro até tarde da noite. Organizámos dias de limpeza e celebrámos depois com piqueniques no parque infantil.

O ar cheirava a futuro.


Fevereiro de 2022 — E o Inverno Sem Fim Começou

Saímos pouco antes da invasão em grande escala para proteger a nossa família. Não foi uma fuga desesperada — foi planeada. Acreditávamos que estaríamos fora apenas algumas semanas. Talvez um par de meses.

Ninguém pensou que seria para sempre.


O Mosaico das Cidades Estrangeiras

Passou um ano. Depois dois. Depois três.

Continuámos a dizer a nós próprios, “Só mais um pouco — e voltaremos.” Mas com o tempo, essa frase começou a soar menos como um plano e mais como uma memória.

Tentámos viver na Polónia, Alemanha, Reino Unido, Portugal, Croácia… um pouco na Bélgica, Países Baixos e França. Cada cidade fundia-se numa única névoa onírica: línguas diferentes, regras, escolas, muros, pessoas.

Não estávamos à procura de luxo.
Estávamos à procura de um sentido de lar.

Mas nunca encontramos o aroma do tília em flor em junho.
Nunca ouvimos o burburinho das ruas sinuosas de Lviv.
Sem parque infantil na Pogylyanka, sem Parque Stryiskyi.
Ninguém a dizer “shanovnyi” num elétrico quando pisaste o pé a alguém.


Nova Vida na Espanha

Eventualmente, encontrámo-nos em Espanha.
E dissemos — é isto. Vamos reconstruir. Uma nova escola. Uma nova língua. Novas regras.

O nosso filho começou a escola de espanhol. Nós trabalhamos. Nós planeamos.

Temos tudo — exceto a coisa mais importante: conexão.

Os meus pais não estão aqui.
Eles ficaram para trás — num lugar onde o perigo está sempre presente.
A casa de família ainda está de pé. Mas parece... um museu. Intocável.
Não porque a porta está trancada — mas porque algo mais profundo está partido.

As ruas da minha infância parecem cobertas de nevoeiro, desfocando rostos e formas.
Tenho medo de voltar.
Não temas não reconhecer nada.
Teme a dor que despertará novamente.


Um Vazio Interior

Estou vivo. Mas por dentro, há um vazio.

Fui arrancado — como uma árvore arrancada do solo.
E não sei se vou crescer novamente.

O meu filho está a esquecer-se lentamente do ucraniano.
Novas línguas são fáceis para ele. Ele é da nova geração.
Um que cresce sem os doces da avó,
sem vizinhos que o cumprimentem pelo nome,
sem a estante do avô ou as histórias da família durante o chá na cozinha,
sem mãos gordurosas da garagem do pai, ou batatas fritas num fogão improvisado com bacon.


Somos uma geração perdida

Estávamos destinados a transmitir a nossa herança — mas não temos onde a guardar.
Roubaram-nos a pátria.
Não podemos acompanhar o nosso filho à mesma escola onde estudámos.
Não podemos colocar flores nos túmulos dos nossos antepassados.

Somos raízes partidas.
Nenhuma árvore crescerá de nós a menos que seja transplantada para outro solo.
E esse solo parece estranho.

Construímos casas na areia.
Sorrimos pelos nossos filhos, mas por dentro preocupamo-nos:
Em que língua irão sonhar?
Eles vão apaixonar-se em ucraniano?

Será que eles vão entender por que as lágrimas enchem os nossos olhos quando ouvimos o hino nacional?


Estamos Dispersos — Mas Não Perdidos

Não perdemos apenas a nossa pátria fisicamente — perdemo-la no tempo.
A Ucrânia somos nós. Mas estamos dispersos.

O que ainda nos une é a nossa língua.
Nossas memórias.
Nossas tradições.
Nossa literatura.

É por isso que criámos uma forma de aceder a livros ucranianos no estrangeiro.
Porque os livros são mais do que uma fuga — são um regresso.

Eles são o fio que nos liga ao passado e talvez — só talvez — ao futuro.


Livros como refúgio

Os livros são:

  • uma saída para a dor,

  • uma fonte de sabedoria e experiência,

  • um caminho para a identidade,

  • e uma base para o crescimento.

Eles carregam sonhos, ideias e inspiração sem fim — para nós e para os nossos filhos.
E devemos transmiti-los.
Porque enquanto lermos, recordarmos e partilharmos — nós continuamos a existir como povo.
Mesmo no exílio.


Isto Não é uma História — Isto é um Testemunho

Isto não é uma novela no sentido clássico.
Isto é um testemunho.
Uma crónica pessoal de uma geração presa entre a perda e o que ainda pode ser salvo.

É uma tentativa de costurar a memória de volta.
preservar algo real —
para mim,
para meu filho,
para quem quer encontrar-se longe de casa.

Porque Se Eu Esquecer…

Se eu esquecer —
o meu filho nunca saberá.

E se ele nunca souber —
quem se lembrará da nossa cidade?
Lviv?
Os vizinhos gentis?
O cheiro a café na nossa pequena cozinha?

A forma como vivíamos, a forma como esperávamos?


Talvez Não Encontremos o Lar — Mas Podemos Preservar a Memória

E podemos passá-lo adiante.

Não como monumentos de pedra —
mas como palavras, gestos, canções, linguagem.
Numa canção de embalar de criança que ecoa em ruas estrangeiras.

Porque isso pode ser a única coisa que nos liga ao passado —
e dá-nos uma ponte para o futuro.

Enquanto nos lembrarmos — estamos vivos.
E somos da Ucrânia.

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